quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Criança com cardiopatia em Alagoas está fadada a morrer

Afirmação é de médica visitadora da Unidade Neonatal do Hospital Universitário (HU); só no em 2013 foram registrados oito óbitos

Em pauta a obrigatoriedade do Teste do Coraçãozinho nos hospitais públicos de todo o país, determinada pelo Ministério da Saúde e publicada no Diário Oficial da União desde junho passado. Mas, o que a equipe de reportagem do jornal Tribuna Independente descobriu vai além da falta de médicos capacitados e equipamentos para a realização do teste nas maternidades públicas de Alagoas. “A criança com cardiopatia em Alagoas está fadada a morrer. Se não houver uma intervenção do Ministério Público para ‘obrigar’ que o recém-nascido seja tratado em algum hospital particular, ele certamente vai morrer na fila de espera. Somente no ano passado, foram registrados oito óbitos de crianças diagnosticadas com problemas cardíacos”, afirma a médica visitadora da Unidade Neonatal do Hospital Universitário (HU), Ana Maria.

A pediatra afirma ainda que o problema não está somente em Alagoas. Segundo Ana Maria, crianças de todo o país aguardam Tratamento Fora do Domicílio (TFD), mas a falta de leitos para a realização das cirurgias ou transplantes culmina na morte de muitos pacientes.

O HU deve realizar concurso público no próximo semestre e, de acordo com a médica, haverá uma vaga para cardiologista infantil. “A questão não é a realização do teste do coraçãozinho. Alguns hospitais públicos têm o equipamento necessário. O problema é que, se for detectado algum problema cardiológico no recém-nascido, ele não terá como passar pelo ecocardiograma, porque não existe o equipamento para a realização desse exame em bebês em todos os hospitais”, explicou.

Em contato com o cardiologista Wanderley Neto, descobrimos que a situação é ainda pior do que se imaginava. “Os hospitais não querem investir em cardiologia pediátrica. Não temos profissionais capacitados, nem estrutura para atender pacientes na área. As crianças e os idosos são quem mais sofrem com essa situação”, afirmou o médico.

“O Ministério da Saúde diz que se não houver atendimento onde estiver o paciente, que ele seja encaminhado para outro hospital. Mas a fila é muito grande. Não temos leitos, enfermarias e nem UTIs pediátricas para atender a demanda de pacientes”, concluiu o médico.

Para o doutor Ricardo César Cavalcanti, diretor médico do Hospital do Coração, a obrigatoriedade do Coraçãozinho pode contribuir consideravelmente para a redução da taxa de mortalidade neonatal. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, entre 30% e 40% dos bebês que têm problemas cardíacos graves, recebem alta das maternidades sem o diagnóstico. Uma em cada mil crianças sofre de cardiopatia congênita crítica, problema que responde por cerca de 10% dos óbitos infantis e de 20% a 40% dos óbitos decorrentes de malformações.

“O procedimento é simples, rápido e indolor, mas, por ser ainda uma tecnologia nova, leva um tempo até que os profissionais absorvam e incorporem à rotina. É preciso que a sociedade tome conhecimento do exame para que as pacientes cobrem dos seus médicos a realização do teste em seus bebês ainda na sala de parto”, afirmou o cardiologista.

De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), “os técnicos da saúde ainda vão passar por capacitação e os hospitais ainda irão receber os equipamentos necessários para a realização do exame”. Já a assessoria de comunicação da Maternidade Escola Santa Mônica, informou que o equipamento existe em algumas maternidades públicas, porém, a prática não é tão comum. “Os recém-nascidos podem realizar esse exame ainda no leito, junto da mãe. Esse teste pode identificar problemas cardíacos que podem vir à tona ainda no primeiro mês de nascimento, no entanto, não existe equipamento suficiente para todas as unidades públicas de saúde. Apesar da obrigatoriedade do Ministério da Saúde, é preciso analisar a estrutura e as condições dos hospitais públicos, e isso pode levar um tempo”, explicou a assessoria.

Ainda não há previsão de quando o teste se tornará obrigatório nas maternidades públicas de Alagoas.

“Já estivemos reunidos com a Sesau e o Estado já começou a se articular junto com o Município para que o exame comece a ser realizado nas maternidades públicas”, informou a coordenadora do Programa da Saúde da Criança da Capital, Alda Tenório. Segundo ela, independente de ser particular ou público, os hospitais serão cobrados para que se comece a ser feito o teste em todos os recém-nascidos o quanto antes.

“A portaria do Ministério da Saúde chega até nós e nós encaminhamos para todas as maternidades, independente de serem públicas ou particulares”, explicou.

Ainda de acordo com as informações de Alda, todos os médicos deverão passar por capacitação e todas as maternidades públicas devem receber os equipamentos necessários para a realização do teste. “Não deve demorar. Em pouco tempo o teste já estará sendo realizado em toda a rede pública e, as maternidades que já possuem os equipamentos, já devem realizar o exame em todos os recém-nascidos”, concluiu.

O que se espera, é que junto com o Teste do Coraçãozinho, as maternidades públicas tenham também estrutura para tratar dos recém-nascidos diagnosticados com problemas cardíacos. E que as mães dessas crianças não vivam a aflição de imaginar que seu filho está fadado à morte por nascer com alguma cardiopatia.

O que é o Teste do Coraçãozinho?

O exame de Oximetria de Pulso, mais conhecido como Teste do Pezinho, serve para detectar e prevenir problemas cardíacos em recém-nascidos, e consiste em medir a oxigenação do sangue e os batimentos cardíacos do bebê com o auxílio de um oxímetro – espécie de pulseirinha – instalado nos primeiros dias de nascimento no pulso e no pé.


Além do Teste do Coraçãozinho, outros dois exames fazem parte da triagem Neonatal, o da Orelhinha, que se tornou obrigatório em 2010 e deve ser feito prioritariamente durante o primeiro mês de nascimento. O teste do Pezinho, também obrigatório na rede pública, é um exame feito a partir de sangue coletado do calcanhar do bebê. O procedimento permite que se identifique doenças graves e deve ser feito a partir de 48 horas do nascimento até os 30 dias. Outro teste recomendado pelos pediatras é o Teste do Olhinho, que ainda não é obrigatório na rede pública de saúde. Ele deve ser realizado nas primeiras 24 horas de nascimento do bebê.

Thayanne Magalhães para Tribuna Independente em Julho de 2014.

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